Data de nascimento determina patrimônio?

24 de fevereiro de 2025

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No fim de 2024, uma pesquisa do Grupo Allianz, sobre o acúmulo de riqueza, repercutiu no mundo todo ao mostrar que os baby boomers — nascidos entre 1946 e 1964 — formam a geração mais rica da história e, em contraste, os millennials, ou geração Y (nascidos entre 1981 e 1996), são os que mais têm dificuldades para construir um patrimônio.

O Relatório Global de Riqueza 2024 aponta que esse cenário foi impulsionado pelo fácil acesso à moradia e pelo forte desempenho dos mercados de ações para os boomers, enquanto os millennials enfrentaram, e seguem enfrentando, uma série de crises desde a entrada dessa geração no mundo do trabalho. “Uma combinação histórica única — crescimento econômico forte, mercados imobiliários acessíveis e valorização das ações — permitiu que os boomers acumulassem uma fortuna considerável”, destaca a gigante de seguros em seu relatório.

Contudo, é preciso ressaltar que as conclusões de que os boomers são mais ricos e os millenials mais pobres valem para Estados Unidos e Europa, pois foram obtidas com base em dados desses locais, e os resultados não podem ser simplesmente transferidos para a realidade brasileira. Independentemente das diferenças regionais, Arne Holzhausen, líder de Pesquisa Econômica do Grupo Allianz, afirma que não há dúvidas de que a situação macroeconômica induz comportamentos individuais de consumo e poupança. “Existem padrões e atitudes comuns que unem cada geração. No que diz respeito à poupança, essas atitudes são moldadas pelas primeiras experiências”, explica o pesquisador.

Assim, decisões como assumir um financiamento para comprar uma casa, abrir um negócio, ou mesmo investir em ações ou manter o dinheiro na poupança, podem conter um reflexo do ano em que cada um nasceu. “A geração Y foi recebida pelo mercado laboral durante a crise financeira mundial de 2008. Para essas pessoas, a perspectiva de alto endividamento é mais assustadora. Se há menos confiança de que suas economias sempre crescerão, provavelmente você também sonhará menos alto”, pontua Holzhausen. 

E no Brasil?

Por aqui, foram outros os eventos históricos e fatores estruturais que moldaram o comportamento econômico das diferentes gerações. Segundo o professor Alex Nery, da FIA Business School, a própria classificação das gerações apresenta limitações quando se quer entender a realidade nacional. Nery explica que na geração dos baby boomers há grandes diferenças: quem nasceu em 1946 e começou a trabalhar aos 18 anos, em 1964, viveu um período de crescimento econômico acelerado, o chamado milagre econômico, com taxas de desenvolvimento em torno de 10%, que nunca mais se repetiram. No entanto, quem nasceu em 1964 entrou no mercado nos anos 1980, lidando com uma inflação altíssima e dificuldades para o planejamento financeiro. Na década de 1980, ocorreram cinco planos econômicos e, em 1990, houve o confisco da poupança, com o bloqueio de dinheiro em várias aplicações financeiras.

Outra diferença importante é que o Brasil é um país mais desigual — e mesmo o milagre econômico não aconteceu para todos. “Nem todo mundo aproveitou esse período de expansão. Havia poucas pessoas com acesso à Educação, muita gente ainda vivia em contextos rurais, as mulheres eram mais discriminadas ao trabalhar”, exemplifica o professor.

Em resumo, a riqueza foi possível apenas para um grupo dos boomers. Se, no Brasil, a década de 1980 foi marcada por alta inflação e diversos planos econômicos, criando um ambiente de instabilidade, as perspectivas melhoraram após o Plano Real, em 1994. E os que ingressavam no mercado de trabalho após aquele período mais favorável eram justamente os millennials mais pobres, assim como os nascidos nos anos finais do que se demarcou como geração X  — entre 1965 e 1980. “Foi uma época de estabilidade monetária e crescimento da renda, com a possibilidade de acúmulo de riqueza. O cenário positivo durou até 2007, porque, em 2008, veio uma crise e altas taxas de juros”, lembra Nery.

2008, ano de ruptura

O fim da primeira década do século 21 foi marcado pelo que o pesquisador do Allianz chama de “grande crise global”, que teve como estopim a falência do banco de investimento Lehman Brothers, iniciando um efeito dominó de falta de confiança que derrubou a economia global, com efeitos mais drásticos nos países ricos.

Ainda assim, a renda per capita do brasileiro continuou subindo até 2013, quando, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), ganhava, anualmente, US$ 15,886 mil (cálculo em paridade com o poder de compra). Somente a partir de então que o Brasil entrou em recessão e a renda do trabalhador despencou. No fim de 2020, o salário médio havia encolhido para US$ 15 mil.

Em qualquer lugar do mundo, o aumento das taxas de juros, provocado pelas sucessivas crises, encareceu os empréstimos. No entanto, na realidade brasileira, o crédito praticamente não existia na década de 1980.

E, a despeito das flutuações ocasionais, houve, ao longo das décadas, um movimento de inclusão bancária, com populações pobres que, antes, só usavam papel-moeda passando a ter contas, cartões e crédito. “Cartão de crédito era coisa para gente rica. Hoje, você abre uma conta pela internet com alguns documentos básicos e recebe o cartão em casa. A ‘bancarização’ fez com que mais gente tivesse acesso a crédito”, detalha Nery.

Banco e ascensão

Desde que acompanhado de educação financeira, o acesso a crédito pode promover o enriquecimento. O designer Raphael Lourenço Fonseca, de 32 anos, ilustra a parte da geração Y que, no Brasil, se beneficia desses empréstimos e pode fazer planos de longo prazo. Na sua família, ele foi o primeiro a ter casa própria. “Meus pais, tios e avós sempre viveram pagando aluguel. Todo o dinheiro que gastaram para ter onde morar nunca retornou”, pondera. Junto com a esposa, Fonseca decidiu comprar um imóvel por puro pragmatismo. “Fizemos as contas e percebemos que uma parcela de financiamento médio custaria, na época, aproximadamente o mesmo que o valor de um aluguel. Entendemos que um imóvel financiado tenderia a se valorizar com o tempo e poderia ser vendido ou alugado”, conta.

Fonseca, que começou a trabalhar aos 17 anos, pôde usar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para dar a entrada de um apartamento na planta, em 2019, na cidade de São Paulo. O saldo devedor foi financiado em 360 meses pelo programa Minha Casa Minha Vida. Hoje, a parcela é de cerca de R$ 1 mil. “No condomínio onde moramos, há apartamentos com a mesma metragem alugados por até R$ 3 mil por mês”, relata. Agora, o casal já planeja se mudar para uma região melhor, e talvez até sair da capital paulista, e fazem contas para saber se compensa mais vender ou alugar o imóvel atual.

Além da economia

Há ainda fatores extraeconômicos que influenciam no acúmulo de riquezas, explica Nery, como a educação e o acesso à tecnologia. “Quantas pessoas podiam investir na Bolsa de Valores nos anos 1970 e 1980? Ainda há situações desiguais, mas também, sem dúvida, mais informação e perspectivas. Há centenas de vídeos no YouTube mostrando como fazer”, compara.

Grande parte da geração Z, dos nascidos entre 1997 e 2012, ingressou no mercado de trabalho durante a pandemia, e ainda não está claro como esse tipo de experiência vai moldar seus padrões de obter renda e construir patrimônio no longo prazo. De qualquer forma, as pessoas continuam consumindo e investindo, enquanto as dinâmicas laborais se transformam — e tudo isso pode embaralhar a corrida pelo enriquecimento entre as gerações. “Antes, as empresas eram mais nacionais, muitas vezes familiares, criando relações de longo prazo. Hoje, há menos estabilidade no emprego, mas surgiram novas profissões e possibilidades, principalmente para quem investe em educação continuada”, enfatiza Nery.

Segundo o professor, o mundo atual pode ser mais instável, mas também oferece mais oportunidades. “A estabilidade de antes era boa para alguns, porém limitava o acesso de muitos. Hoje, ainda temos muita desigualdade, mas o cenário é mais dinâmico, cada um precisa buscar conhecimento e adaptar-se para aproveitar as possibilidades”, conclui.

Luciana Alvarez Débora Faria
Luciana Alvarez Débora Faria