Enxergar o País sob a ótica do copo meio cheio ou meio vazio? Essa é a reflexão de Pedro Nery, economista e consultor legislativo do Senado Federal, que explora as diferentes perspectivas sobre os desafios e as oportunidades nacionais. Ele é autor do livro Extremos: um mapa para entender as desigualdades no Brasil (Editora Zahar), lançado neste ano. Em uma viagem que tem como roteiro os índices que mostram o quanto o Brasil é desigual, o livro analisa realidades extremas e traça um panorama para entender o reflexo das disparidades no crescimento econômico do País.
Na visão de Nery, a Constituição de 1988 deu condições para que o Brasil vivesse um período de avanços relevantes, principalmente nas áreas da Saúde e da Educação. “Até a pandemia, tínhamos reduzido a pobreza pela metade e a extrema pobreza a um terço do que era”, exemplifica. Para o consultor, essa é a ótica do “copo meio cheio”.
Por outro lado, o País ainda não conseguiu superar as profundas disparidades entre as classes sociais. “O ‘copo meio vazio’ é este: uma desigualdade que ainda persiste muito e taxas de pobreza e de extrema pobreza ainda maiores do que em países do Cone Sul, como Argentina, Chile, Uruguai”, adverte Nery.
O economista defende que as conquistas das últimas décadas ainda nos permitem enxergar o futuro com um “otimismo realista”, mas é preciso buscar mais eficiência em políticas tributárias e administrativas — agendas intrínsecas ao combate às desigualdades sociais.
Em entrevista promovida pela Revista Problemas Brasileiros e pelo Canal UM BRASIL — ambas realizações da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, Nery debate o sistema tributário, a Reforma Administrativa e a distribuição de renda no País.
Desafios do modelo tributário
Quando se debate a arrecadação de tributos, o Brasil tem exemplos a seguir, observa Nery. “Na Dinamarca e na Nova Zelândia, não há tributação sobre a folha de salários. Quer dizer, o trabalhador produz, o empregador paga o salário e não há a incidência de tributo algum. No Brasil, mais de dez tributos incidem sobre a folha de salários”, compara.
Nos dois países, para financiar a atuação estatal e as políticas sociais, a tributação acontece sobre a renda. “Se você ganha bem, tiramos uma parcela maior da sua renda para financiar programas para as famílias que ficaram para trás”, simplifica, referindo-se à forma como opera o Estado em outras partes do mundo.
Segundo o economista, o projeto da Reforma Tributária, em discussão no Senado, já prevê que o governo federal envie uma proposta de tributação da renda. Na opinião dele, a redução dos tributos laborais deveria fazer parte dessa agenda.
“Talvez as pessoas não tenham tanta noção do quanto o trabalho é onerado no Brasil. Acho que, muitas vezes, o funcionário não tem essa visão de que existe um grande desconto sobre o que ele produz antes de receber a sua parcela”, explica.
Competência para superar as desigualdades
Nery ainda destaca que, para vencer uma questão social tão importante, é preciso distribuir e alocar recursos com eficiência. “Não é que o Estado no Brasil não redistribua recursos. Essa redistribuição é feita, mas um pouco a mais do que países que tributam muito menos. Transita dentro do Estado cerca de um terço do PIB, mas o Brasil, antes e depois da atuação estatal, não muda tanto assim”, adverte o consultor.
Nery também defende que a Reforma Administrativa seja pensada para além de uma medida fiscal ou uma forma de economizar gastos. “Essa reforma também precisa ser entendida como uma medida para a eficiência da economia, para a redução das desigualdades”, conclui.
Confira a íntegra da entrevista em vídeo, conduzida pela jornalista Mônica Sodré, no Canal UM BRASIL.