Um novo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), encomendado pelas ONGs Vital Strategies e ACT Promoção da Saúde, dimensiona os custos financeiros e sociais do consumo abusivo de álcool no Brasil. De acordo com os dados apresentados em novembro pelas instituições, a cada cinco minutos um brasileiro ou brasileira morre em decorrência do consumo de álcool. Incluindo custos diretos e indiretos, o abuso da substância custa R$ 18,8 bilhões por ano ao País. O valor citado pela Fiocruz inclui R$ 1,1 bilhão em despesas federais diretas com internações e procedimentos ambulatoriais relacionados ao álcool no Sistema Único de Saúde (SUS).
No entanto, a pesquisa se destaca pelo cálculo dos custos indiretos do abuso de álcool, ao medir a perda de produtividade resultante de mortalidade prematura, licenças médicas, dias de afastamento do trabalho e aposentadoria antecipada decorrentes das doenças associadas ao consumo de álcool. Somados, esses elementos acarretam um custo anual de R$ 17,7 bilhões para os cofres públicos, conforme medido pelos autores do estudo.
Em relação às mortes relacionadas ao álcool, o estudo utilizou estimativas feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para chegar a um total de 104.800 mortes desse tipo no Brasil em 2019 — o que corresponde a 12 a cada hora, ou uma a cada cinco minutos. As principais causas são doenças cardiovasculares, acidentes, vários tipos de câncer e violência. E 86% dessas mortes ocorreram entre homens.
Eduardo Nilson, pesquisador da Fiocruz, ressalta que as estimativas são conservadoras. A análise considera apenas o setor público federal, sem utilizar dados das redes estaduais e municipais ou do setor privado como um todo. “Quase R$ 19 bilhões por ano é um montante extremamente significativo, mas o verdadeiro custo do consumo de álcool para a sociedade brasileira provavelmente é maior”, afirma o especialista. O estudo aponta que o valor de R$ 19 bilhões equivale a 8,6% de todo o orçamento da Saúde no Brasil em 2024.
Os números da pesquisa Vigitel do Ministério da Saúde, de 2023, mostraram um aumento de mais de dois pontos percentuais na taxa de entrevistados que relataram um consumo abusivo de álcool ao menos uma vez nos 30 dias anteriores à consulta. O consumo abusivo, neste caso, refere-se a mulheres que consomem quatro ou mais drinques em uma mesma ocasião, ou homens que consomem cinco ou mais. A prevalência aumentou de 18,4% para 20,8%.
Comparando esses dados com os números registrados em 2006, o porcentual de homens que disseram ter consumido álcool de forma abusiva nos últimos 30 dias permaneceu estável. O consumo entre mulheres, no entanto, quase dobrou: de 7,8% para 15,2%, pouco abaixo do pico registrado na pandemia, de 16%, em 2020. “Precisamos olhar com atenção para a população feminina para frear esse aumento, que é impulsionado por mudanças culturais e pelos esforços das empresas de bebidas para dar aos seus produtos um apelo mais unissex”, adverte Luciana Sardinha, diretora adjunta de Doenças Crônicas não Transmissíveis da Vital Strategies.
Pesquisadores da Fiocruz que participaram da pesquisa mais recente sugerem que uma forma de diminuir os efeitos negativos do consumo de álcool na população seria criar impostos específicos sobre bebidas alcoólicas. Eles defendem que esses produtos sejam incluídos no chamado “imposto do pecado”, que será introduzido pela Reforma Tributária do Brasil. Embora o Congresso tenha aprovado as linhas gerais da Reforma no final de 2023, os parlamentares agora discutem os detalhes de como o novo sistema vai funcionar de fato.
Além de consolidar os impostos sobre consumo existentes nos níveis federal, estadual e local, a Reforma também prevê a substituição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pelo imposto do pecado, especificamente para produtos prejudiciais à saúde das pessoas ou ao meio ambiente. O projeto de lei enviado pelo governo incluiu bebidas alcoólicas, junto com veículos, embarcações e aeronaves poluentes, produtos fumígenos derivados ou não do tabaco, bebidas açucaradas e bens minerais.
No entanto, há um aspecto potencialmente regressivo em aumentar o imposto sobre bebidas alcoólicas no Brasil. Dados do Vigitel mostram que o consumo abusivo de álcool é quase duas vezes maior entre pessoas que tiveram 12 ou mais anos de educação formal, em comparação com aquelas que tiveram zero a oito anos de estudo.
O nível de escolaridade, é claro, costuma servir como indicador de renda no Brasil, o que significa que bebidas alcoólicas podem se tornar proporcionalmente muito mais caras para os cidadãos mais pobres, que, segundo dados do Ministério da Saúde, têm hábitos de consumo mais responsáveis. Porém, para alguns especialistas, qualquer diminuição no consumo de álcool é um ganho. “Podemos salvar vidas e reduzir o impacto social do álcool, economizando bilhões de reais todos os anos”, enfatiza Pedro de Paula, diretor-executivo da Vital Strategies.