Regulamentação da Reforma Tributária tem mais travas que avanços

02 de julho de 2024

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Com a votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 prevista para o dia 11 de julho, a Reforma Tributária entra em sua reta final. Às vésperas do recesso do meio do ano, o Congresso se prepara para debater o que fará com que a Emenda Constitucional (EC) 132 — que reforma o sistema de tributos do Brasil, aprovada no fim do ano passado — seja aplicada na prática. 

E em meio às discussões a respeito da regulamentação da reforma, o primeiro passo dado pelo governo é justamente o PLP 68/2024, que, na avaliação do Conselho de Assuntos Tributários da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), traz mais aspectos negativos do que positivos. A Entidade, vale lembrar, integrou quatro Grupos de Trabalho (GTs) criados para falar sobre o assunto, contribuindo para a elaboração dos projetos elaborados no Legislativo. Assim, antes mesmo da proposta apresentada pelo Poder Executivo (o PLP em questão), as ações realizadas pela coalização das frentes parlamentares resultaram na apresentação de 13 projetos de lei.

 Um dos principais problemas do PLP 68/2024 se concentra nas regras da não cumulatividade. No texto do governo, há a restrição de creditamento de tributos a valores efetivamente pagos e não “cobrados”, como consta no escopo da EC 132, aprovada no Congresso no fim do ano passado. Segundo a FecomercioSP, essa restrição somente poderia ser imposta com o recolhimento do valor devido no ato do pagamento. No limite, o contribuinte não deve ter um direito restringido pela inadimplência de quem lhe fornece um bem e/ou serviço. Aqui é preciso destacar que, no Brasil, a compra parcelada é um hábito comum, o que dificulta a instituição do mecanismo. Além disso, a proposta também restringe a lista de produtos sujeitos ao regime diferenciado, isto é, com alíquotas reduzidas — principalmente daqueles cuja redução é da ordem de 100%. 

A perspectiva da Federação sobre esse tópico é outra, expressa no PLP 48/2024, protocolado após discussões no GT de alíquotas diferenciadas da Câmara dos Deputados, ao antever reduções relevantes que variam 30%, 60% e 100% para alguns segmentos. Além disso, como o texto constitucional prevê a avaliação sobre a manutenção desses benefícios a cada cinco anos, a Entidade sugeriu que constasse, na norma, a observância expressa do princípio da anterioridade a fim de evitar surpresas aos contribuintes. Outro problema do texto apresentado pelo governo é a falta de diversidade regional no escopo da lista da Cesta Básica Nacional de Alimentos (CeNA) — dispositivo que, aliás, fora bastante elogiado quando da aprovação da EC 132 no Congresso Nacional. No documento atual, a composição da cesta envolve apenas 15 itens, sem nenhuma indicação de proteína animal e restrita a produtos de determinadas classificações fiscais (Nomenclatura Comum do Mercosul — NCM ou Códigos de Tributação Nacional — NBS).

Pontos positivos

Algumas medidas, porém, são positivas: uma delas é a criação do cadastro com identificação única entre as instâncias de governo, que simplifica a legislação tributária, tal como a FecomercioSP sempre defendeu; ou a possibilidade de inclusão de novos produtos — relacionados à acessibilidade das Pessoas com Deficiência (PcDs) ou medicamentos, por exemplo — na lista de reduções de alíquotas.

Outras devem ser mais bem discutidas, como a imposição de responsabilidade de terceiros, que foram ampliadas no PLP 68/2024. No caso da responsabilidade solidária das plataformas digitais, por exemplo, o projeto permite que os marketplaces sejam cobrados por fornecedores que não emitirem notas fiscais ou não estiverem inscritos nos cadastros dos novos tributos criados pela reforma, o IBS e a CBS. A Entidade, ao entender que as plataformas são apenas intermediadoras das trocas de produtos e serviços, não devem ser responsabilizadas.

Contribuições aos PLs das frentes parlamentares 

Várias propostas da FecomercioSP nos debates dos GTs criados para regulamentar a reforma foram contempladas em PLPs divulgados pelos deputados. A Federação foi uma das responsáveis por estabelecer no PLP 58/2024 a transferência integral de crédito da CBS nas aquisições de bens e serviços de empresas optantes do Simples Nacional. Trata-se de um assunto inquietante à Entidade desde o início da tramitação no Congresso, já que é um dispositivo que afeta as micro e pequenas empresas, as quais dão a tônica do dia a dia da economia do País.

Na atual legislação, esses negócios podem transferir, integralmente, os créditos de PIS e Cofins no montante de 9,25%. A reforma restringe a transferência de crédito ao montante cobrado no regime unificado — no projeto do governo, a situação é ainda pior, pois limita o crédito ao tributo efetivamente pago. Ainda no PLP 58/2024, que trata dos regimes específicos, a FecomercioSP conseguiu inserir uma previsão de alíquota reduzida para o setor de Turismo, um dos mais atingidos pela crise da pandemia de covid-19 e que, desde o fim do ano passado, luta pelo cumprimento dos prazos do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

Já no PLP 48/2024, a Federação ainda sugeriu que bens e serviços indicados na lei tivessem interpretação extensiva. Dentre as atividades com previsão de redução de 30% na alíquota, destacam-se os serviços de profissão intelectual, como contabilidade, advocacia e engenharia.

O texto do projeto ainda prevê 60% de diminuição a atividades que envolvam educação e saúde, por exemplo, e 100% para medicamentos, produtos hortícolas e reabilitação de áreas urbanas. Como o texto constitucional permite a revisão dos benefícios a cada cinco anos, a FecomercioSP também pediu que os estudos técnicos do governo fossem amplamente divulgados, bem como criados prazos para que as categorias impactadas por possíveis aumentos pudessem se manifestar. 

Em outros dois projetos, a Entidade também teve pleitos contemplados. No PLP 35/2024, que institui a CeNA, o texto prevê alíquotas zeradas para certos alimentos de consumo humano, como proteínas animais, farinhas, massas, sucos, água e oleaginosas. No projeto, consta expressamente que o imposto seletivo também não poderá incidir sobre os itens da CeNA — outro pleito da Federação. Já no PLP 50/2024, sobre fiscalização e interpretação dos novos tributos criados pela Reforma Tributária (o IBS e a CBS), foram contempladas sugestões defendidas há anos pela Entidade, como a unificação cadastral e a extinção da substituição tributária do ICMS, com o fim desse imposto em 2033. 

Protocolados há duas semanas no Congresso, os projetos — que, agora, seguem para tramitação — devem pautar o debate em torno da Reforma Tributária ao longo de 2024. O processo já era esperado pela FecomercioSP, que alertou, durante todo o ano passado, como a nova legislação foi aprovada sem estar pronta — e, mais do que isso, como não fornecia garantias de que seria possível atingir o principal objetivo: a simplificação da estrutura arrecadatória brasileira. O trabalho dos GTs, no entanto, além de garantir a participação da sociedade civil, aperfeiçoou significativamente o escopo da reforma, aliviando pressões sobre setores fundamentais à economia do País, cujos impactos já são observados neste ano. 

O posicionamento da Entidade, porém, permanece: seria melhor se, em vez de prosseguir com uma mudança na legislação que diminuísse os tributos dos setores mais onerados, o governo avançasse em medidas para reduzir os próprios gastos. A FecomercioSP e os sindicatos filiados defendem uma reforma sem aumento de carga e que promova simplificação, modernização e desburocratização do sistema tributário. A legislação atual, fruto de debates há três décadas, penaliza o empresariado e prejudica o ambiente de negócios. É importante que essa mudança aconteça preservando os pilares da economia do Brasil, e não os enfraquecendo.

Redação PB Débora Faria
Redação PB Débora Faria