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Inovação e segurança jurídica são inadiáveis no setor público

Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.
Edilberto Carlos Pontes Lima
é Presidente do Instituto Rui Barbosa
Mariana Neubern de Souza Almeida
é diretora-executiva da Fundação Tide Setubal
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Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.
Edilberto Carlos Pontes Lima
é Presidente do Instituto Rui Barbosa
Mariana Neubern de Souza Almeida
é diretora-executiva da Fundação Tide Setubal

O Brasil precisa enfrentar, com seriedade e urgência, um debate que há anos se arrasta sem a devida profundidade: como garantir mais inovação no setor público sem reduzir o tema aos entraves da busca por segurança jurídica, indispensável para a modernização do Estado brasileiro.

Gestores e servidores precisam de regras claras que deem previsibilidade às suas decisões e os protejam de interpretações divergentes. No entanto, quando a segurança se torna sinônimo de estagnação, o efeito é devastador. Políticas públicas deixam de ser implementadas, tecnologias se tornam obsoletas e a sociedade fica à espera de respostas que, em muitos casos, nunca chegam. O medo da judicialização, mais do que a escassez de recursos, tem sido um dos principais freios à inovação estatal.

Pesquisas recentes ajudam a dimensionar esse cenário. Um diagnóstico realizado pelo Movimento Pessoas à Frente identificou que, após a Nova Lei de Improbidade Administrativa, houve uma redução de 42% nas ações judiciais de improbidade que chegaram ao Judiciário entre 2021 e 2023. Esse dado revela que ajustes legislativos podem contribuir para reduzir a insegurança, sentimento muito presente para muitos gestores. 

Uma pesquisa do Instituto Rui Barbosa (IRB), de julho de 2024, publicada no livro “Inteligência Artificial nos Tribunais de Contas: Avanços e Desafios”, mostrou que 60% das Cortes de Contas já integram ferramentas de Inteligência Artificial em áreas cruciais como auditorias e fiscalizações. O levantamento demonstra o papel pioneiro dos Tribunais de Contas no uso de IA e o potencial dessa tecnologia para transformar o trabalho das instituições de controle e elevar os padrões de eficiência e eficácia no uso dos recursos públicos.

Já um estudo da Fundação Tide Setubal, de 2024, revelou que 67% dos gestores públicos convivem diariamente com receio do acompanhamento dos órgãos de controle, e 58% admitiram evitar decisões por medo de punições.

Esse fenômeno, conhecido como “apagão das canetas”, gera desafios para o país. Em vez de inovar e criar novas soluções, os gestores preferem seguir por caminhos mais tradicionais. O resultado é uma decisão subótima, que subutiliza a capacidade do Estado de enfrentar problemas complexos como por exemplo combate a desigualdades, mudanças climáticas, crises urbanas e demandas por serviços digitais mais ágeis. O paradoxo é evidente: ao buscar segurança, muitas vezes o setor público se torna inseguro, incapaz de atender à sociedade no tempo e na qualidade necessários.

Diante desse contexto, o Movimento Pessoas à Frente, em parceria com a Fundação Tide Setubal e o Instituto Rui Barbosa, criou o Grupo de Trabalho (GT) de Inovação e Segurança Jurídica para discutir e formular recomendações, abrindo espaço para um debate estruturado, qualificado e baseado em evidências.

Entre os temas abordados pelo GT, há dois debates que merecem atenção especial. O primeiro é a contratação por tempo determinado no setor público. Hoje, a falta de regulamentação nacional torna essa prática muito heterogênea no país, gerando judicialização. O segundo é a transformação digital, que deve aparecer também no debate da reforma administrativa e merece muita atenção: sem segurança jurídica, projetos de digitalização de serviços ficam parados, privando os cidadãos de um Estado mais eficiente e acessível.

Mais do que propor soluções pontuais, o grupo de trabalho busca construir diretrizes nacionais capazes de orientar gestores, reduzir incertezas e criar um ambiente institucional que estimule a inovação com responsabilidade. Esse esforço tem um mérito fundamental: mostrar que segurança jurídica e inovação não são forças opostas, mas dimensões complementares. A inovação precisa de regras claras, e a segurança precisa de práticas modernas que permitam ao Estado responder de forma eficaz às demandas sociais.

A pergunta que se coloca é: queremos um Estado que apenas evite erros ou um Estado que acerte mais e melhor? A resposta parece óbvia, mas depende de coragem política e institucional. Coragem para revisar normas, para aproximar órgãos de controle de gestores, para aceitar que a inovação envolve riscos e para criar mecanismos que transformem erros em aprendizado e não em punições indiscriminadas.

O Brasil vive uma oportunidade rara. Com a reforma administrativa em discussão e a pressão da sociedade por serviços públicos mais ágeis e inclusivos, temos as condições para repensar a forma como inovamos no setor público. A iniciativa do GT pode se tornar um marco nesse processo, por inaugurar um espaço de confiança e diálogo entre diferentes atores.

No fim, o maior risco não está em inovar, mas sim na possibilidade da paralisia ou então de soluções sabidamente menos efetivas. É hora de o Brasil assumir que segurança e inovação precisam caminhar juntas, e que sem esse equilíbrio o Estado permanecerá aquém do que a sociedade espera e merece.

Este conteúdo é fruto de uma parceria editorial com o Movimento Pessoas à Frente — uma organização suprapartidária e plural, composta por mais de 200 pessoas com diferentes perspectivas políticas, sociais e econômicas, comprometidas com o aprimoramento das políticas de gestão de pessoas no setor público.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.