Restauração, água e alimento

12 de dezembro de 2025

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Na Amazônia, as mudanças no clima — como alterações na temperatura e no regime de chuvas — já comprometem a biodiversidade e afetam diretamente a vida das populações que dependem da floresta. Estudos apontam que secas severas, enchentes cada vez mais frequentes e incêndios florestais se tornaram mais comuns nas últimas décadas, intensificados pela degradação ambiental e pelo desmatamento.

Diante desse quadro, especialistas defendem que a adaptação deve atuar em diferentes frentes: a valorização da natureza e dos conhecimentos tradicionais, a restauração florestal em larga escala, a proteção dos rios e mananciais e o fortalecimento da segurança alimentar baseada em espécies resilientes ao clima.

É o que propõe o policy brief Estratégias de Adaptação Climática Visando o Bem-Estar das Populações Amazônidas, lançado no fim de agosto e elaborado por pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV) em parceria com autores da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de outras instituições nacionais e internacionais.

Antecipado à imprensa pela Agência BORI, o documento reúne um conjunto de recomendações para orientar políticas públicas capazes de proteger tanto a floresta quanto as populações que dela dependem, especialmente povos indígenas e comunidades ribeirinhas e quilombolas, além de moradores de áreas rurais e urbanas da região.

As propostas partem de uma constatação: a crise climática já está em curso, e seus efeitos sobre a Amazônia não podem ser revertidos apenas com ações de mitigação, como a redução de emissões. Segundo Tereza Cristina Giannini, pesquisadora do ITV e coordenadora da publicação, adaptar-se significa garantir a resiliência dos ecossistemas e, ao mesmo tempo, fortalecer as condições de vida das populações locais. “Acredita-se que a mudança climática é unidirecional, mas não é. É um mosaico de impactos muito amplos e que envolve as comunidades humanas de forma complexa”, pontua Tereza.

Vegetação nativa, alimento do futuro

O documento destaca as importâncias da proteção e da restauração dos serviços ecossistêmicos, como polinização, dispersão de sementes, regulação hídrica e fertilidade do solo, que são a base da produção de alimentos. Como proposta, destacam-se a criação de bancos de sementes, o fortalecimento de redes de coletores comunitários e o mapeamento da diversidade genética de espécies de interesse alimentar. A publicação também sugere a incorporação dessas espécies resilientes nas políticas de nutrição, por exemplo, a alimentação escolar.

Outro foco é a segurança hídrica, apontada como condição essencial para a saúde e a produção de alimentos na região. O relatório recomenda investimentos em sistemas de captação e reaproveitamento de água da chuva e proteção das rotas fluviais usadas para transporte de mercadorias.

A restauração florestal também ocupa lugar de destaque. Recuperar áreas degradadas com espécies nativas pode garantir sequestro de carbono, proteger nascentes e gerar renda a partir de cadeias produtivas sustentáveis da sociobioeconomia, apontam os cientistas. O documento defende que planos de restauração sejam articulados entre governos, empresas e comunidades, com incentivos financeiros, acesso a crédito e pagamento por serviços ambientais.

O policy brief destaca, ainda, a importância de mapear as chamadas plantas do futuro — espécies vegetais tradicionalmente consumidas por populações amazônicas e que apresentam maior potencial de resistência às mudanças climáticas. Esses vegetais podem se tornar fundamentais em cenários de escassez, mas muitos ainda são pouco conhecidos fora de seus contextos locais.

Segundo os autores, a conservação de animais polinizadores e dispersores de sementes também é vital para manter a produção de alimentos e a biodiversidade da floresta. O documento recomenda campanhas educativas, programas de ciência cidadã e investimentos em pesquisa e capacitação científica para reduzir lacunas de conhecimento sobre fauna útil.

Conhecer para proteger

A pesquisadora Tereza afirmou, em entrevista à BORI, que a elaboração do material foi motivada pela constatação, em estudos anteriores do grupo, de cenários negativos para cerca de 200 espécies de plantas alimentares nativas — como a castanha-do-pará, muito afetada por alterações nos ciclos de floração e frutificação. A preocupação se soma a evidências de que comunidades indígenas e tradicionais já enfrentam mais vulnerabilidade alimentar em consequência do clima.

As pesquisas que sustentam o documento seguem em andamento. Dentre os próximos passos, estão a análise do impacto das mudanças climáticas sobre polinizadores agrícolas fundamentais para a produção de cacau, açaí e castanha; o mapeamento da vulnerabilidade alimentar de povos indígenas, identificando áreas de maior risco; e a conclusão de um estudo sobre o genoma do cacau, que deve indicar adaptações genéticas úteis tanto para a conservação quanto para a agricultura.

“O policy brief foi uma grande síntese do conhecimento multifacetário que existe sobre o impacto das mudanças climáticas no que diz respeito à alimentação. Essa, talvez, tenha sido a maior contribuição: reunir pontos de vista diversos e qualificados para expor a complexidade do tema e traçar caminhos possíveis”, conclui Tereza. Segundo ela, o desafio é transformar esse conhecimento em políticas efetivas que unam ciência, saberes tradicionais e ação governamental.

ESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #489 (NOV/DEZ) DA REVISTA PB.
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Agência BORI* Annima de Mattos
Agência BORI* Annima de Mattos