Um Brasil que envelhece… e consome

01 de outubro de 2024

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O Brasil jovem ficou no passado, cedendo lugar a uma população cada vez mais envelhecida. Desde o ano passado, a faixa etária de 15 a 24 anos passou a ser a menor do País, enquanto o número de pessoas com mais de 60 anos cresce rapidamente. Essa mudança demográfica exige adaptações, e a economia precisa se preparar para atender às novas demandas de consumidores mais experientes.

Além de mais velho, o Brasil se aproxima de um declínio populacional. Segundo o Censo 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atualizou as projeções e estima que, a partir de 2042, as mortes superarão os nascimentos, fazendo a população encolher. Após alcançar 220 milhões em 2041, o número de habitantes cairá para 199,2 milhões em 2070. A previsão desse ponto de inflexão foi antecipada em seis anos, comparada à última projeção de 2018. Até 2070, a população com mais de 60 representará 37,8% do total.

Essa transição demográfica impõe obstáculos e oportunidades a toda a sociedade. Se o Poder Público precisa preparar os sistemas de Saúde e de Previdência Social, as empresas avaliam como atender a essa população, que ganhará relevância no consumo.  

O estudo Transição Demográfica e Consumo, elaborado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), traça as oportunidades para diferentes setores diante do novo perfil etário das pessoas. O levantamento mostra que, em 2020, 23,5% das famílias tinham um idoso como chefe. No início da década de 2040, a fatia será de 37,4%, ao passo que em 2060, metade dos lares apresentará essa condição. Em termos de consumo, isso deve representar um aumento de 193% nos gastos com planos e serviços de saúde, enquanto os dispêndios com educação devem crescer menos (44%). “O número de lares com o chefe acima dos 60 anos vai dobrar nos próximos 20 anos, então, as despesas serão diferentes”, afirma Fábio Pina, assessor econômico da Federação.

O economista cita como exemplo as decisões que terão de ser tomadas com base nesses números — como optar por abrir uma escola ou investir em uma empresa de lazer para idosos. Esse é um aspecto quase óbvio de impacto sobre consumo, mas Pina lembra que, com uma população mais madura, o mercado imobiliário também precisará passar por mudanças, com imóveis devidamente planejados. A análise da FecomercioSP destaca as brechas para adaptação e construção de moradias a essa parcela de habitantes — como instalação de corrimões e rampas —, além de residências com cuidados pensados para os mais velhos. Tudo isso abre espaço para escritórios de arquitetura e lojas de decoração. Serviços de transporte também deverão se ajustar, com veículos que permitam o aceso de pessoas com mobilidade reduzida, da mesma forma que os governos terão de preparar a infraestrutura das cidades para a parcela 60+. Devem crescer também a participação de pessoas mais maduras em atividades de lazer e a demanda por produtos de fácil preparo, porém saudáveis. 

Carla Beni, economista e professora de MBAs na Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), concorda com a avaliação de que as mudanças no consumo ocorrerão em diferentes segmentos — e que o planejamento para atender a esse público deve começar agora. “A intermediação financeira também vai mudar, como os serviços prestados pelos bancos. Seguro é um produto que aumenta com a maior participação desse público, por exemplo. O grande desejo da humanidade sempre foi viver mais, então, não podemos olhar o idoso, agora, como despesa. É preciso ter um olhar de mercado consumidor”, explica.

Um mercado de mais de R$ 3 trilhões

O cliente da chamada “economia prateada” desembolsou, só em 2022, R$ 1,6 trilhão em bens e serviços, 20% do consumo total. Os dados são da agência Fleishmanhillard, que ainda não foram atualizados. Carla, da FGV, vê o número como um ponto de partida, que vai crescer à medida que a sociedade mudar as próprias percepções do envelhecer, ainda calcadas na visão de juventude e curto prazo. Mas em um país com tantas desigualdades como o Brasil, o envelhecimento do povo demandará serviços e produtos diferentes a depender da classe social. “A ideia de longevidade vai mudando a estrutura cultural. Com 60 anos, a pessoa está ativa, embora isso varie de acordo com o nível social — e isso determinará as demandas. Quando o padrão econômico é mais elevado, o idoso tira proveito de benefícios como vagas especificas para estacionar o carro, enquanto outros passam a andar de ônibus gratuitamente”, compara. 

Um estudo ainda inédito da Data8, consultoria especializada no público maduro, revela que essa parcela da população gastará R$ 3,8 trilhões em 2044, o que será equivalente a 35% do consumo das famílias. O impacto será disseminado em vários segmentos, reforça Clea Klouri, sócia-fundadora da empresa. Apesar dos números conhecidos sobre a transição demográfica, a avaliação de Clea é de que as empresas ainda têm dificuldade para encarar as necessidades e conversar com esse público, uma vez que ainda não se deram conta de que, até 2050, o Brasil será a sexta nação com os cidadãos mais velhos do mundo. Ainda segundo a executiva, o impasse de acompanhar essa mudança está na rapidez da queda da natalidade no País, mais acelerada que na Europa. “É uma inversão da pirâmide. Até o setor de Educação terá de olhar para isso se não quiser ter uma perda de receita. Outra questão será o mercado de trabalho. As empresas já estão preocupadas com essa transição, mas não é algo que vai se inverter agora”, diz. 

Trabalho da experiência

Diante de uma Previdência Social já pressionada e pessoas vivendo mais (e, muitas vezes, melhor), é esperado que a saída do mercado laboral seja adiada — ou que profissionais mais velhos tenham de voltar a trabalhar para complementar a aposentadoria. Isso, ainda que lentamente, já vem acontecendo. A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que reúne as informações transmitidas pelas empresas ao Ministério do Trabalho, mostra que, em 2022 (dado consolidado mais recente), 1,9% dos trabalhadores com carteira assinada tinham mais de 65 anos. A fatia é pequena, mas, dez anos antes, era de 0,9%.

Mórris Litvak, CEO da Maturi, consultoria que ajuda empresas na contratação de profissionais mais experientes, ressalta que as mudanças no mercado de trabalho também refletem as desigualdades sociais. Para pessoas com menos acesso à educação e que, com o tempo, perdem a capacidade de realizar trabalhos braçais, é fundamental investir em capacitação. “O consumidor com mais de 50 ou 60 anos vai crescer, mas a realidade não será a mesma para todos. É preciso educar as empresas para contratá-lo e permitir que também possa consumir”, explica.

Os setores de Comércio e Serviços, grandes geradores de empregos, devem absorver parte dessa mão de obra madura. Um exemplo é o Assaí Atacadista, que, por meio do Programa 50+, busca aumentar a diversidade geracional. Hoje, a empresa conta com 8 mil colaboradores com mais de 50 anos, representando 8,8% do quadro. “Profissionais acima dos 50 trazem características valiosas, como experiência, agilidade na solução de problemas e disposição para compartilhar conhecimento”, diz Sandra Vicari, vice-presidente de Gestão de Gente da rede.

Ana Paula Ribeiro Annima de Mattos
Ana Paula Ribeiro Annima de Mattos