O ator Anthony Hopkins, famoso por filmes como O silêncio dos inocentes, perdeu a sua mansão de R$ 35 milhões nos incêndios que devastaram Los Angeles, na Califórnia, no início do ano, deixando 27 mortos. Antes, em 2018, ele mudou-se de Malibu, por causa de um outro incêndio chegar até a casa de seu vizinho. E, em 2000, fugiu de um outro incêndio em sua residência, dessa vez em Londres.
Hopkins não tem nada a ver com o estereótipo de um refugiado — e a sua conta bancária está bem acima daquelas dos moradores de campos de migrantes da Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, ele é, por definição, alguém que foi forçado a se deslocar por causa das condições climáticas — o que configura um refugiado climático.
Hopkins e outros artistas, como Tom Hanks e Paris Hilton, que também perderam as mansões para o fogo, fazem parte dos mais de 100 mil moradores da cidade que precisaram sair da rota dos incêndios, ainda que temporariamente. Poucas semanas depois, no início de fevereiro, a Califórnia continuou sob alerta. E não mais por causa do fogo mas, agora, por fortes tempestades e enchentes.
A diferença entre esses artistas e os milhares de brasileiros que precisaram mudar de cidade após as enchentes do Rio Grande do Sul, em 2024, é que, no primeiro caso, as rotas de fugas foram luxuosas, com helicópteros e carros blindados, e essas pessoas tinham outros casarões para se abrigarem, enquanto no segundo caso a maioria das vítimas teve de recorrer a abrigos públicos — e muitos ainda estão sem casa.
Apesar de ter se popularizado nos últimos anos, o termo “refugiado climático” não é reconhecido pelo Direito internacional, já que a maioria dos deslocamentos ocorre dentro do mesmo país, e o motivo — o clima — não foi abarcado na Convenção de Refugiados, definida pela ONU nos anos 1950.
Atualmente, cerca de 120 milhões de pessoas estão fora das próprias casas, fugindo dos motivos previstos na convenção: guerra, violência e perseguição. Mas os números devem se inverter de forma rápida e os cerca de 21,5 milhões de deslocados anualmente por causa de desastres naturais súbitos, de acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC), devem chegar a 216 milhões até 2050, segundo projeções do Banco Mundial. Isto é, o clima pode se tornar mais preocupante do que as guerras.
E o cenário pode ser ainda pior do que as estimativas, afirmam especialistas. “As previsões sobre as mudanças climáticas estão se tornando cada vez mais dramáticas. Alguns dos prognósticos estão acontecendo mais rapidamente do que o previsto”, afirma Isabel Belloni Schmidt, professora de pós-graduação em Ecologia na Universidade de Brasília (UnB).
Os refugiados climáticos mais conhecidos são as pessoas originárias de lugares costeiros, especialmente países compostos por ilhas de baixa altitude, onde a previsão é de que o mar ocupará grande parte da área habitada, explica Isabel.
É o caso de Tuvalu, uma ilha paradisíaca no Oceano Pacífico. O ponto mais alto do país está apenas cinco metros acima do nível do mar. Sob o risco de desaparecer nos próximos anos, os governantes do pequeno país tentam transformá-lo em uma “nação digital”, de forma que seus habitantes, mesmo precisando mudar para outros locais, ainda possam se reconhecer como povo — o que inclui manter a cidadania tuvalense e votar em eleições.
Mas as mudanças climáticas podem tornar outros lugares inóspitos em decorrência de fatores variados, como falta ou excesso de chuvas, e isso não se restringe a ilhas com poucos milhares de habitantes, mas também a continentes inteiros. “A tendência é que viver fique mais difícil, ou mesmo impossível, para a população humana em vários lugares do mundo”, afirma a professora.
Migrar por causa de intempéries climáticas não é nenhuma novidade. A grande seca que aconteceu no Nordeste brasileiro, no início do século 20, forçou milhares de pessoas a desembarcarem em outras cidades do País, principalmente no Sudeste. Mas os eventos de agora estão se tornando cada vez mais fortes e imprevisíveis. Para muitos dos atingidos no século 21, a resposta será a mesma de cem anos atrás: migrar. Só que, agora, não há garantias de destino seguro.
Além disso, a realidade é difusa. Quem cultivava a terra que se tornou muito seca para o plantio, por exemplo, costumeiramente é obrigado a mudar-se para a periferia de uma grande cidade a fim de buscar um subemprego, e não seguirá para um campo de refugiados reconhecido pela ONU. São casos que muitas vezes escapam às estatísticas, mas que devem influenciar sobretudo o meio urbano, com cidades cada vez mais pressionadas a darem conta das necessidades básicas de uma população crescente. Por outro lado, a redução da população no campo e a falta de boas condições climáticas geram escassez de alimentos.
Não há um censo oficial de refugiados climáticos no Brasil, mas alguns números dão pistas. Entre 2013 e 2022, mais de 2,2 milhões de moradias foram danificadas por desastres naturais, afetando 4,2 milhões de brasileiros que tiveram de deixar suas casas, segundo a Confederação Nacional dos Municípios. A falta de dados sólidos de órgãos governamentais reflete a carência de políticas públicas para lidar com o problema. “Muitas pessoas vivem em áreas vulneráveis a desastres naturais, como vimos com as enchentes no Rio Grande do Sul. Esse cenário reforça a necessidade urgente de políticas de mitigação, adaptação, resposta e reconstrução para reduzir os impactos das mudanças climáticas sobre populações já em situação de risco”, pontua Davide Torzilli, representante da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) no Brasil.
Para atenuar a crise, Torzili defende que os governos adotem uma abordagem abrangente que combine a redução de riscos de desastres, a adaptação às mudanças climáticas e o fortalecimento da proteção de pessoas deslocadas, considerando a inclusão das pessoas refugiadas e de outros grupos de alta vulnerabilidade no processo.
É necessário investir em planejamento urbano resiliente, proteção de ecossistemas naturais e infraestrutura adequada para reduzir as consequências de eventos extremos, ressalta Torzili. Além disso, é fundamental garantir o acesso a direitos e proteção a pessoas deslocadas, bem como priorizar programas de assistência humanitária e de geração de renda para a população mais vulnerável que, um dia, pode ser impactada, acrescenta.
A discussão dessas questões tornou-se ainda mais oportuna tendo em vista o contexto da presidência do Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30, que ocorre em novembro deste ano. “O momento exige ação coordenada entre governos, setor privado e sociedade civil para garantir que a crise climática não resulte em uma crise humanitária ainda maior, sem respostas ou regida apenas por promessas. A COP30 pode ser um marco para reforçar esse compromisso global”, defende Torzili.
No entanto, há fatores internos e externos que criam barreiras para o debate. “O Brasil é um dos maiores emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE) do mundo, e 75% dessas emissões vêm de desmatamento e incêndios. Então, a receita é simples: parar o desmatamento e controlar incêndios. Mas esses dois fatores vão contra a força de uma das bancadas políticas mais fortes do País, que é a do Agronegócio”, adverte Isabel. “O trágico é que o setor é o principal responsável pelas mudanças climáticas, mas também a sua primeira vítima. Já observamos atrasos e redução no período chuvoso na região do Cerrado, por exemplo, o que atinge as monoculturas de larga escala — ou seja, a nossa balança comercial está em risco”, continua a professora.
Para Isabel, mais do que falar sobre o assunto, é preciso dotar recursos orçamentários. Em momentos de crise financeira, afirma, é comum que a área ambiental sofra cortes enormes. “O meio ambiente é um bem de todos, um direito difuso da população, e ninguém se sente diretamente prejudicado por tais cortes até que ocorra uma tragédia e as pessoas sejam realmente afetadas”, completa.