Mais poder aos condomínios

16 de junho de 2025

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Uma reforma do Código Civil deve trazer, em breve, mudanças que afetam milhões de brasileiros que vivem em condomínios. As assembleias vão ganhar mais poder: as multas por atraso ficarão mais caras, moradores com comportamentos antissociais poderão ser expulsos e aluguéis de curta duração — aqueles realizados por meio de plataformas como o Airbnb — serão liberados somente se forem expressamente aprovados pelo condomínio. Muitas dessas mudanças são vistas como positivas por quem lida com disputas entre moradores, mas não devem significar o fim dos problemas. E até a nova legislação ser de fato publicada, haverá um período de incerteza para quem investe em imóveis.

Apesar de a proposta alterar consideravelmente a redação legal, se a reforma for aprovada como está, ainda assim não haverá grandes revoluções na vida em condomínio, avalia Bianca Macchioni, advogada do CSMV Advogados, que trabalha com Direito Imobiliário. “O texto busca transformar em lei o que já é entendimento sedimentado dos tribunais. A ideia parece ser a de pacificar certas questões para que sejam resolvidas em assembleia e desafoguem o Judiciário”, explica.

Isso porque, mesmo sob o código atual, há casos de condôminos expulsos por comportamentos desajustados por decisões da Justiça. “Em casos extremos, quando outras sanções se mostraram ineficazes e o comportamento foi reiterado, a jurisprudência já caminha para determinar a expulsão. Como isso já acontece, o melhor é mesmo inserir na lei”, opina a advogada.

Pelo previsto na reforma, a expulsão vai precisar ser aprovada em assembleia com dois terços dos presentes — e apenas depois da aplicação de multas, sem que estas tenham se mostrado eficientes para deter o comportamento abusivo. Durante a assembleia, o morador precisará ter amplo direito de defesa. Se o apartamento for o lar de uma família, só a pessoa com o comportamento problemático poderá ser expulsa. Não há prazo, mas a readmissão é possível, também votada em assembleia.

Ainda assim, a expulsão terá de ser validada pelo Judiciário. “O juiz vai analisar as multas anteriores, se houve chance de defesa e se é realmente um caso extremo”, explica Bianca. De acordo com ela, o afastamento não se contrapõe ao direito de propriedade — a pessoa ainda pode alugar ou vender o imóvel, por exemplo —, mas deve estar em harmonia com o respeito aos deveres na coposse da área do condomínio. “Se a conduta afronta a tranquilidade, a saúde ou a segurança, trata-se de um abuso e não de uma livre expressão do direito de posse”, pontua.

Diálogo travado

A psicóloga Liliana Seger, coordenadora do grupo do transtorno explosivo intermitente no Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ipq HCFMUSP), aponta que a necessidade de punição mais severa prevista em lei revela uma dificuldade generalizada de os vizinhos — e a sociedade de maneira geral — entenderem-se por meio do diálogo. “As pessoas não conseguem mais conversar, a sociedade está polarizada e irritada”, afirma, comparando a questão com o comportamento de crianças. “Quando falha a conversa, os adultos partem para as punições, como tirar o celular, expulsar da classe”, observa. Só que, no caso dos condomínios, são adultos que têm mantido comportamentos inadequados até serem punidos.

Liliana entende que, de fato, há situações em que pessoas desequilibradas podem ser um tormento para o grupo e a expulsão mostrar-se a única saída. No entanto, ressalta que a medida deve ser usada em raríssimos casos. “As leis estão tentando solucionar questões de comportamento, mas é preciso cuidado na expulsão, que não pode ser usada como um coringa, como saída para todo o tipo de problema”, acrescenta.

Segundo a psicóloga, as mídias sociais e os grupos de WhatsApp têm o potencial de piorar as relações sociais reais. “Nossa vida é tão atribulada e mal conhecemos nossos vizinhos. As pessoas pararam de falar umas com as outras pessoalmente, não ouvem mais as vozes dos outros. Aí, quando chega num momento como a assembleia, alguns precisam pôr tudo para fora”, analisa.

Liliana critica, ainda, a prática cada vez mais comum do “exposed”. O comportamento de filmar conflitos para, depois, publicá-los pode ser mais prejudicial que benéfico. “Quando se filma uma desavença, há um recorte que pode distorcer o que aconteceu. Você pode ter chutado várias vezes a minha porta e filmar só na hora que eu abro xingando”, exemplifica.

Um dos problemas práticos é que os síndicos, ainda que ajam de boa vontade, não são psicólogos ou não têm formação para mediar conflitos. Liliana sugere que, antes de pensar em expulsão, os condomínios investissem em cursos de comunicação não violenta e mediadores profissionais.

De qualquer maneira, a necessidade de saber negociar e desescalar conflitos é crescente. Segundo dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2000 e 2022, a proporção de brasileiros morando em apartamentos pulou de 7,6% para 12,5% registrados. Os domicílios do tipo casa de vila ou de condomínio, que abrigavam 1,6% da população, passaram a ser o lar de 2,4% no mesmo período. São, assim, mais de 31,5 milhões de brasileiros morando atualmente em condomínios.

Mudanças no bolso

Dentre as mudanças no Código, talvez a mais consensual seja o aumento da multa por inadimplência das cotas condominiais. Atualmente, a taxa é de apenas 2% e passará para 10%. “O aumento tem o objetivo de inibir a inadimplência. A multa de 2% não parece muito para algumas pessoas, mas, se for de 10%, elas vão pensar melhor antes de ficar meses sem pagar”, argumenta a advogada Bianca.

Outro ponto de atenção diz respeito ao que a lei chama de hospedagem atípica, que, na prática, são os aluguéis de curta temporada contratados por meio de plataformas como Airbnb ou Booking. Bianca ressalta que esse é um dos temas mais judicializados atualmente, com moradores defendendo a proibição, alegando insegurança ou bagunça excessiva. Da forma que está a redação da reforma, a situação vai se inverter: a prática será proibida, a menos que seja expressamente autorizada nas convenções ou por decisão das assembleias.

Carlos Honorato, professor na FIA Business School, acredita que todos que possuam apartamentos para aluguel atípico, sem que a questão esteja expressa na convenção do condomínio, têm razões para estarem receosos. “É justo que os condomínios tenham liberdade para decidir, que o Estado não interfira. Mas se o texto tornar padrão a proibição, exigindo que seja liberado, pode-se dificultar um processo que antes era simples”, avalia.

O professor lembra, ainda, que há alguns tipos de condomínios que parecem ser mais vocacionados para receber hóspedes, como no caso das unidades pequenas, bem localizadas, com lavanderia coletiva e onde os proprietários são, em sua maioria, investidores e não residentes. Nesses casos, parece ser evidente uma aprovação fácil.

Contudo, para quem pensa em comprar um apartamento para esse tipo de negócio, a recomendação é cautela redobrada. O problema nem é apenas a possibilidade de uma convenção que não aprove a prática, mas também o excesso de oferta de unidades com esse propósito em várias cidades do País. “O momento é de saturação do mercado. Há muita oferta de imóveis e o número de interessados não cresceu na mesma proporção. Portanto, existe uma pressão dos preços para baixo e o investimento pode não trazer retorno”, adverte o economista.

Na capital paulista, os apartamentos compactos, com menos de 45 metros quadrados — e, portanto, adaptáveis à curta temporada —, representaram mais de 70% dos lançamentos no período de 12 meses encerrados em janeiro de 2025, de acordo com um relatório do banco Goldman Sachs. Em longo prazo, os proprietários devem ter em mente que esse é um mercado de grande flutuação e bastante sensível a regulações governamentais. “Há cidades, como Barcelona, que estão proibindo o aluguel de curta temporada, porque destrói o mercado de aluguel convencional, fazendo com que disparem os preços para quem precisa de casa para morar”,explica Honorato.

Não é para agora

A tramitação das mudanças, porém, ainda tem alguns passos no seu percurso e uma duração incerta. O Senado iniciou a reforma, com o Projeto de Lei (PL) 4/2025, que, além da vida em condomínio, trata de várias outras questões, como defesa do consumidor e divórcios. A versão atual do PL foi publicada no dia 31 de janeiro e, desde então, segue com o status de “aguardando despacho” do presidente do Senado. Se aprovado, o texto será encaminhado para a Câmara dos Deputados. Havendo emendas ou substitutivo ao projeto, este retornará ao Senado, que terá a palavra final. Até lá, não custa insistir: manter uma boa relação com os vizinhos é sempre a melhor política.

Luciana Alvarez
Débora Faria
Luciana Alvarez
Débora Faria