Três trilhões e meio de dólares em perdas na última década. O alerta, feito por Al Gore, no Rio de Janeiro, colocou em números a escala do colapso climático. No Climate Reality Leadership Training, diante de um público de cerca de 1.200 pessoas, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos e Nobel da Paz traduziu em cifras o que o planeta já sente em enchentes, ondas de calor e incêndios: a crise ambiental não é mais futuro, é presente que cobra caro.
A força da fala estava também na forma como Gore costurou catástrofe e esperança. As imagens de enchentes e incêndios vieram acompanhadas de comparações com transformações históricas — o fim da escravidão, a conquista do voto feminino — para sustentar que mudanças profundas parecem impossíveis até que se tornem inevitáveis. “As mudanças demoram a começar, mas quando acontecem, avançam mais rápido do que imaginávamos. Estamos próximos desse ponto no clima”, disse. E concluiu olhando para Belém: “Vá para a COP30, porque eles vão resolver esse problema… eu conheço Lula.” Era tanto encorajamento quanto pressão sobre o país anfitrião.
A poucos quilômetros dali, no Museu do Amanhã, outro palco trazia vozes distintas para a arena do Esquenta COP. O ciclo de debates, realizado semanalmente, tem transformado o espaço em um fórum preparatório para a conferência. Naquele encontro, ciência e ancestralidade dividiram a cena. O físico Paulo Artaxo foi taxativo: “A redução das emissões de gases de efeito estufa deve ser o principal objetivo no momento – e não pode ser ofuscado por outros temas, também importantes, mas secundários.” Ao seu lado, a jovem liderança indígena Txai Suruí devolveu a cobrança: “Já existiam metas que não foram cumpridas. O que falta então?”
O debate ganhou moldura simbólica nas exposições em cartaz, Água, Pantanal, Fogo e Claudia Andujar e seu Universo. Fotografias do Pantanal em chamas, retratos Yanomami e instalações sobre a água como bem comum ampliaram o alcance das falas, lembrando que a crise climática não se expressa apenas em gráficos e relatórios, mas também em narrativas visuais e experiências sensíveis.
A resposta institucional veio de Brasília. A ministra Marina Silva apresentou o Balanço Ético Global, iniciativa que pretende medir compromissos climáticos também pelo critério da justiça social. “Não há mais espaço para postergar ações”, disse, ao destacar que os acordos da COP precisam ser acompanhados não apenas por metas numéricas, mas por responsabilidade com populações vulneráveis.
O anúncio foi celebrado pelo próprio Gore como inovação inédita: “Tivemos 29 COPs e ninguém antes havia abordado os problemas éticos.” O reconhecimento internacional deu fôlego político ao Brasil, mas não dissolveu contradições. O desmatamento na Amazônia caiu em 2024, mas segue acima da linha de convergência com a meta de desmatamento zero. E incêndios voltaram a castigar o Pantanal e áreas amazônicas. A inovação ética convive com a precariedade da execução.
Enquanto a política buscava afirmar protagonismo, o setor privado e a sociedade civil também se mobilizaram. Na Rio Climate Action Week e na São Paulo Climate Week, empresas, investidores e governos locais se apresentaram como atores centrais da transição. Roberta Cox, diretora da Global Renewables Alliance, foi incisiva: “Energy poverty is a challenge that demands action!” A frase lembrou que a transição energética não pode ser apenas tecnológica; precisa também garantir acesso justo à energia limpa.
Em São Paulo, a ênfase recaiu sobre o papel das finanças sustentáveis. Painéis dedicados ao tema mostraram que o Brasil se tornou o maior emissor de títulos verdes da América Latina, com US$ 7,2 bilhões em green bonds em 2022 e crescimento constante desde então. A B3, que concentra essas emissões, vem ampliando instrumentos voltados para biodiversidade e energia renovável, enquanto bancos privados anunciaram novas carteiras de crédito voltadas à descarbonização. A avaliação recorrente nos debates foi clara: sem escala financeira, a transição climática não se sustentará.
Essas movimentações revelaram que o protagonismo da COP30 não virá apenas dos governos. Empresas do setor de energia, indústrias ligadas ao agronegócio e instituições financeiras passaram a disputar espaço no debate.
O lançamento da coalizão C.A.S.E. — que reúne grupos como Itaúsa, Natura, Nestlé, Bradesco e Vale — foi lembrado como exemplo de como o setor privado tenta chegar à Amazônia não apenas como patrocinador, mas como parte da narrativa de soluções.
Além disso, estudo apresentado no Finance Hub (Rio Climate Week) mostrou que a transição ecológica pode adicionar entre US$ 230 bilhões e US$ 430 bilhões ao PIB brasileiro até 2030. Essa perspectiva econômica reforça a urgência de transformar discurso em promessa com recursos e escala.
Agosto, portanto, mostrou que a COP30 já está sendo encenada em múltiplos registros. A diplomacia internacional, com Gore, ofereceu escala e pressão. A ciência, com Artaxo, reiterou prioridades. A ancestralidade, com Txai, cobrou coerência. A política, com Marina, ensaiou inovação ética. As empresas e o setor financeiro buscaram se posicionar como protagonistas. E a arte traduziu em sensibilidade o que relatórios muitas vezes não alcançam.
Belém, em novembro, será o palco onde todas essas linguagens terão de se encontrar. O que está em jogo não é apenas o êxito de uma conferência, mas a capacidade de transformar um mosaico de vozes em ação concreta. Se agosto foi o ensaio, a COP30 será o veredicto.