Há um abismo, hoje, entre o propósito da Lei do Aprendiz e a realidade de aplicação do programa para garantir inclusão produtiva digna das juventudes, especialmente as periféricas. Uma regulamentação de caráter social, com a finalidade de criar oportunidades de inserção no mercado de trabalho — principalmente para jovens em situação de vulnerabilidade social —, na prática, está sendo excludente e não alcança quem mais precisa. Infelizmente, esse é o retrato atual de um importante mecanismo para abrir portas profissionais dignas e que demanda mais comprometimento das empresas para não só atrair talentos que estão à margem da sociedade, como também promover diversidade interna, reduzir desigualdades e, consequentemente, garantir desenvolvimento sustentável para o País.
A norma citada (10.097/2000) prevê a contratação para jovens entre 14 e 24 anos que estejam cursando o ensino fundamental ou médio, ou que já tenham concluído os estudos. Não é uma lei exclusiva para indivíduos em situação de vulnerabilidade social, porém mal alcança essas pessoas, quando seria um importante propulsor de transformação de vidas. A pesquisa Percepções e Expectativas do Jovem-Potência sobre a Lei da Aprendizagem, do movimento Juventudes Potentes, apontou que, na periferia paulistana, 60,4% da parcela da população entre 15 e 24 anos têm interesse em ser jovem aprendiz, mas apenas 1,5% nessa faixa etária trabalha, enquanto 5,1% já trabalharam a partir dessa modalidade de contratação. Os jovens querem acessar essas possibilidades, mas estas se mostram distantes das suas realidades. Apesar de 74,2% considerarem que o programa seria um caminho para o primeiro emprego, as oportunidades não estão chegando a eles — seja pela falta de divulgação das vagas, seja pela ausência de parcerias entre escolas e organizações formadoras, seja pelas poucas vagas em empresas próximas a periferias, seja pelos processos seletivos muito exigentes.
A lei representa uma potência enorme perdida, tanto para as corporações quanto para a própria juventude. O reflexo disso é uma sociedade que mantém e amplia as desigualdades. Ouvidos pela pesquisa relataram, por exemplo, que “o acesso do jovem da periferia é dificultado”, “nunca cheguei a trabalhar como jovem aprendiz justamente pela defasagem na informação sobre isso” e “um processo seletivo de aprendiz deve ser humanizado. É o primeiro emprego de uma pessoa, por isso, você pode gerar um trauma para sempre. Há jovens que realmente não têm curso algum, mas ele pode apresentar várias habilidades que você não sabe”. São depoimentos que revelam a série de gargalos para aplicação da legislação e distanciamento das empresas em relação à realidade das juventudes diversas — e que, consequentemente, deixam os jovens à própria sorte para trilhar a carreira, muitas vezes em posições informais e de pouca perspectiva.
É fundamental que a Lei de Aprendizagem seja fortalecida e alcance todas as juventudes. O caminho para isso passa por melhoria nos processos de seleção e contratação de aprendizes, com ampla divulgação das vagas nas periferias; processo seletivo mais humanizado; melhoria na formação oferecida pelas organizações certificadoras, incluindo conteúdos, por exemplo, que desenvolvam habilidades tecnológicas, digitais e socioemocionais; melhoria na alocação; acompanhamento e supervisão dos aprendizes no cotidiano na empresa para que tenham o devido suporte e desenvolvimento na corporação; instauração de um plano de desenvolvimento dos aprendizes, com incentivos e feedbacks; adoção de ações para aumentar o senso de pertencimento e permanência de talentos; fomento a programas de mentoria e apadrinhamento dentro das empresas; mediação de conflitos intergeracionais e estímulo à diversidade nas companhias; e mensuração dos resultados dos programas de aprendizagem para além da contratação.
Essas iniciativas, além de abrir mais portas para toda a potencialidade das juventudes, elevam as empresas a outro patamar de comprometimento social e de vantagem competitiva. Há evidências contundentes de que a diversidade da força de trabalho gera valores tangíveis para os negócios, tornando as empresas até dez vezes mais inovadoras e menos propensas a enfrentar problemas de escassez de talentos e custos elevados com recrutamento, integração e desenvolvimento de profissionais. Não deveria ser uma escolha investir na diversidade das juventudes e de suas realidades, mas um fundamento básico de qualquer país que espere construir um futuro melhor para as próximas gerações.
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