O que o comércio pensa sobre a crise climática?

12 de junho de 2024

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Uma sondagem da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) com o empresariado do varejo da cidade de São Paulo mostra que metade dos negócios sofreu algum tipo de impacto climático nos últimos 12 meses. No entanto, a pesquisa — que ouviu 200 empresas de pequeno e médio portes em abril de 2024 — sugere que uma parcela significativa dessas empresas ainda não reúne condições de enfrentar os desafios ambientais, que tendem a se agravar em um futuro próximo.

Isso acontece porque ainda há dificuldades de avaliar o retorno dos investimentos em ações relacionadas a efeitos climáticos, tanto no curto como no longo prazo. Esses negócios apenas espelham um desafio mais estrutural das economias globais. Mas não é só isso: faltam linhas de crédito especiais para gastos com a adoção de tecnologia para reduzir emissões, como painéis solares, assim como programas e políticas públicas para incentivar que empresas, sobretudo pequenas e médias, comecem a elaborar um planejamento ambiental adequado ao modelo de negócio.

Apesar disso, o número de empreendimentos com alguma medida em operação é relevante, pois sugere que já exista um certo movimento consolidado de tornar o ambiente empresarial mais sustentável.

Confira a, seguir, os principais dados da sondagem FecomercioSP.

1. O peso do clima: 51% das empresas sofreram algum tipo de impacto climático nos últimos 12 meses

Para o assessor da FecomercioSP Fábio Pina, o dado impressiona por mostrar o alto nível de exposição do varejo paulistano aos eventos climáticos. Na capital paulista, as chuvas e seus efeitos — como enchentes, enxurradas, queda de árvores e falta de energia — são o maior problema. Elas causam transtornos que vão desde a interrupção parcial (ou total) das atividades (13% das empresas ouvidas) até a perda de estoques e sinistros de veículos e mobiliário. “Somos muito menos potentes contra problemas da natureza do que imaginamos. Isso é um fato”, reforça.

Segundo o economista, porém, não é possível avaliar se houve piora ou melhora no dado, já que se trata de uma sondagem inédita. Considerando o momento da pesquisa, era ainda recente a lembrança dos frequentes apagões na cidade no início do ano, que acarretaram interrupções das atividades, em diversos casos, por mais de 24 horas. 

2. A conta do clima: 35% dos negócios tiveram prejuízos financeiros por eventos climáticos

“Uma em cada três empresas sofre financeiramente com problemas relacionados ao clima. É um número muito expressivo”, avalia Pina. “Nem a violência causa tantos prejuízos; não se encontra um dado que mostre que uma em cada três empresas foi roubada”, compara. 

Ainda assim, de acordo com Pina, a maior parte dos prejuízos é pequena e contornável. No entanto, é preciso reforçar que, como a amostra inclui pequenos e médios negócios, a margem para absorver perdas se mostra baixa. São empresas que vivem “da mão para a boca” e, portanto, não contam com reservas financeiras relevantes para imprevistos ou capacidade de investimento em pacotes mais abrangentes de seguros para se protegerem. 

3. 7 em cada 10 empresários pensam em investir em medidas para a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) num futuro próximo

Segundo Pina, investimentos em eficiência energética são os mais factíveis — e com retorno notável — para os empresários que compõem a amostra da sondagem. Trata-se de um setor com gastos elevados. A modernização do equipamento, por exemplo, além de reduzir a emissão de GEEs, traz benesses financeiras facilmente percebidas pelo empresário. “Iluminação adequada e temperatura ajustada para o fluxo de pessoas trazem efeitos rápidos. A percepção não é de custo, mas de um investimento que também oferece benefícios social e ambiental — inclusive, o empresário é um beneficiário direto”, explica o economista.

Outra frente é adotar soluções logísticas otimizadas, que reduzem, por exemplo, a quilometragem diária percorrida para a entrega de produtos. “Terceirizar a logística pode ser um meio do empresário economizar e também reduzir as emissões totais do seu negócio”, afirma. 

Ele afirma ainda que mais informação faz o empresário perceber que os interesses social e ambiental também podem ser individuais. É importante, porém, novamente lembrar que há restrição de recursos, então, nem sempre investimentos maiores serão viáveis a pequenos e médios negócios. “Há muito o que fazer antes de imputar custo.”

Mesmo assim, a sondagem mostra que, dentre os empresários que pretendem investir em medidas para reduzir emissões, 37,5% se dizem “muito dispostos” a aportar recursos nessas iniciativas. 

4. Mas, na prática, há pouco sendo feito: 69,5% das empresas não contam com medidas para reduzir emissões de GEEs

Na avaliação de Pina, o dado mostra que há um espaço importante de conscientização de que medidas adotadas em cada um dos negócios podem ser boas para a própria empresa. Um exemplo é a substituição de lâmpadas: num pequeno estabelecimento, pode ser um investimento relevante no ato, mas com retornos perceptíveis em poucos meses. Na logística, o retorno pode ser mais imediato, com economia real de combustível por meio da adoção de rotas mais assertivas. No entanto, mesmo medidas simples demandam o tempo do empresário para se informar e para que seja possível olha para o próprio negócio. Em empresas pequenas, esse recurso também é escasso. 

5. Equação de três variáveis: percepção da importância das questões climáticas, custo de adotar ações e retorno percebido do investimento

Os dados apresentados até aqui mostram que o empresariado percebe a necessidade de ações para conter a crise climática e mitigar os seus efeitos, sentidos de forma importante pela maioria. Entretanto, entra na conta o custo dessas ações, muitas vezes não absorvíveis pelos orçamentos restritos dos pequenos e médios negócios. Há, ainda, uma percepção menos tangível: a do valor que essas ações agregam ao valor de produto para o consumidor. Nesse ponto, os entrevistados se dividem — 49% afirmam notar a preferência dos clientes por produtos e serviços associados à sustentabilidade, enquanto 51% percebem que essa ainda não é uma demanda da clientela

Esses resultados demonstram que, apesar de o tema ter crescido e fazer cada vez mais parte da decisão de compra do que há alguns anos, o fator “preço” ainda pode ser o mais importante na hora de ir às compras. A percepção do empresariado, assim, apenas comprova que há mais preocupação ambiental, mas não a ponto de transformar os padrões decisórios dos consumidores.

Na visão de Fabio Pina, é provável que parte da importância que as empresas enxergam no consumidor quando o assunto é sustentabilidade passa por estratégias de marketing, e não necessariamente por ações efetivas. “Muitas empresas ainda não fazem o básico, medidas que primeiro trariam retorno a elas próprias. É por aí que precisamos começar”, afirma. “Não podemos trazer exigências irreais para apavorar esse empresário, que podem até levar ao fechamento de empresas”, alerta o economista.

Ele lembra que a FecomercioSP dispõe de uma série de materiais informativos para orientar empresários dos setores de Comércio e Serviços sobre como melhorar a eficiência energética e adotar medidas de economia circular, por exemplo. E é fundamental trazer valor econômico para essas condutas. Ele lembra do sucesso que é a reciclagem do alumínio no Brasil — que chega a 95% segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Lata de Alumínio (Abralatas). Isso acontece porque há toda uma cadeia de geração de negócios, empregos e renda em torno da reciclagem. “Criar valor econômico nessas práticas é o mais importante. É preciso mostrar para o empresário que há um valor intrínseco nessas atitudes, com benefícios social e ambiental — mas que, talvez, não seja perceptível para ele imediatamente”, explica.

Ainda de acordo com economista, o primeiro passo é informar o empresário a respeito de como essa cadeia de efeitos opera e como o interesse dele se alinha com o de toda a sociedade. “E é possível começar do básico. Menos destruição do meio ambiente é bom para todos, inclusive para os negócios”, conclui Pina.

Redação PB Débora Faria
Redação PB Débora Faria