Como você definiria o ano que passou? E o que imaginar para o que está chegando? Enquanto a humanidade é confrontada com a prevista — e agora real — crise climática, também observa a escalada das guerras, uma das suas mais antigas mazelas. No Oriente Médio, há décadas não se via tamanha violência, enquanto o conflito entre Rússia e Ucrânia entra no terceiro ano sem bandeira branca à vista. Um mundo que está em veloz transformação, capitaneada pelo avanço tecnológico que muda a vida das pessoas em diversas frentes, da economia ao dia a dia dos trabalhadores, das salas de aula ao campo. Transformação essa que muda também a estrutura do próprio tecido social, com desdobramentos ainda imprevisíveis.
Para organizar esses pensamentos, a Revista Problemas Brasileiros elegeu 25 palavras e expressões essenciais para entender 2025. Divididas em cinco temas – Política, Economia, Inovação, Sustentabilidade e Sociedade – a reportagem ouviu especialistas em cada em cada um deles. Com reflexão e intencionalidade, as várias pontas soltas do novelo podem ser encaradas como verdadeiras oportunidades para que a transformação em curso se traduza em avanço para todos.
Ao longo dos próximos dias traremos aqui para o site da PB cada um dos eixos analisados na reportagem, que faz parte da edição especial de fim de ano da Revista Problemas Brasileiros.
Confira abaixo as cinco palavras para pensar inovação em 2025.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Dia sim, e no outro também, ferramentas que usam a Inteligência Artificial (IA) estiveram presentes no noticiário e na fala de especialistas ao longo de 2024. Em 2025, não será diferente. Apesar do receio que gera em muita gente, a tecnologia deve ser encarada como aliada na busca por mais eficiência e competitividade. O potencial da IA já está dado, mas um impacto generalizado às atividades econômicas, mesmo as mais tradicionais, deve se intensificar. “Assim como a internet, a IA veio para ficar. No Comércio, nos Serviços, no Turismo, na Saúde e no cotidiano das pessoas. E será cada vez mais uma aliada para a automação e a personalização, com potencial de incrementar a produtividade das empresas em até 60%”, afirma Kelly Carvalho, assessora da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Levantamento da Page Interim, especializada em recrutamento, mostra que 76,6% dos brasileiros têm medo de perder o emprego para a IA. Há razão de ser. O Índice de Tendências de Trabalho 2024, realizado pelo LinkedIn em parceria com a Microsoft, aponta que profissionais que não sabem usar a tecnologia já estão sendo descartados pelas empresas. O levantamento, que ouviu mais de 31 mil trabalhadores ao redor do mundo — incluindo o Brasil —, é categórico na afirmação: “A maioria dos líderes afirma que não contrataria alguém sem competências de IA”, revela.
Por isso, quando o assunto é trabalho, o foco deve ser na capacitação do capital humano para lidar com a tecnologia, caso contrário, o País corre o risco de enfrentar escassez de mão de obra qualificada na área. “A IA não substitui o trabalhador, mas pode automatizar tarefas repetitivas e permitir que os profissionais sejam direcionados a atividades mais complexas”, explica Kelly. Para que isso aconteça, educação é indispensável — as corporações devem se preocupar com treinamento e o Poder Público precisa oferecer educações básica, técnica e superior capazes de qualificar as pessoas para os desafios atuais. “É difícil fazer previsões porque o avanço tecnológico é rápido e o cenário é complexo: há muitas variáveis que interferem entre si”, completa Alexandre Del Rey, consultor da FecomercioSP.
Regulação e cooperação na área também devem entrar na agenda, mas com cautela. “Temos, sim, de olhar para parceiros no exterior para inspirar boas práticas. O que não podemos é criar uma regulação engessada que, para minimizar os riscos, iniba a inovação”, pondera Kelly. Com fundações firmes, o Brasil pode desenvolver um ecossistema tecnológico e despontar nessa nova fronteira.
INCLUSÃO DIGITAL
O avanço do Brasil é notável quando se trata de acesso à internet, mas o caminho até a universalização ainda não foi cumprido. Ao mesmo tempo, é hora de qualificar a conectividade. Em 2005, quando, pela primeira vez, a pesquisa TIC Domicílios, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) foi feita, só um em cada oito residências contava com acesso à internet. “Hoje, são sete a cada oito”, reforça Fábio Storino, coordenador do estudo.
A despeito desse progresso, são 29 milhões de cidadãos offline. “Essas pessoas estão excluídas de oportunidades de emprego e perdem chances de estudar online, sem contar o lazer e o acesso a serviços públicos, que são facilitados pela web”, cita Storino. Dentre os sem acesso, há indivíduos localizados em territórios remotos, mas a maioria vive em áreas urbanas (24 milhões), em situação de vulnerabilidade econômica. E no grupo daqueles que têm acesso, a conexão é desigual. Alguns usufruem de internet rápida e estável o mês todo, usam serviços de streaming e desfrutam da rede em múltiplos dispositivos. Para outros, um único dispositivo com internet (o celular, geralmente) é compartilhado por várias pessoas, além de a rede ser instável e os créditos de planos pré-pagos acabarem antes do fim do mês. “Essa pessoa restringe a navegação aos aplicativos patrocinados. Temos 84% de usuários de internet, mas só 22% da população brasileira tem uma conectividade significativa”, afirma Storino.
GOVERNO DIGITAL
Na dinâmica que envolve as cadeias globais de valor, a manufatura continua forte, mas está perdendo relevância para os serviços digitais. Na esfera pública, isso não é diferente. De acordo com Andriei Gutierrez, coordenador do Conselho de Economia Digital e Inovação da FecomercioSP, o País precisa de esforço coletivo para construir um projeto de nação para a era digital. “Como vamos nos inserir na divisão internacional do trabalho? Como seremos competitivos? Isso passa por uma discussão de estratégia, porém os ministérios de Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio seguem caminhos diferentes e não dialogam com os projetos de lei no Congresso”, diz.
Ainda assim, é preciso reconhecer que o governo federal tem promovido evolução na cidadania digital, com a unificação de serviços aos cidadãos em um único portal, carteira de identidade digital e provas de vida obtidas remotamente, por exemplo. Mas ainda há muito por fazer quando os assuntos são digitalização de serviços públicos para as empresas e qualificação profissional.
Criar uma infraestrutura digital pública, com o compartilhamento de base de dados, ajudaria a promover a inovação no ambiente estatal. Reduzir a burocracia é outro passo importante. “Uma das sugestões para promover o governo digital é a integração dos serviços para a empresa em um canal único por CNPJ que reúna todas as certidões, licenças e alvarás. Trata-se de uma oportunidade de reduzir custo e tempo”, sugere Gutierrez.
CIBERSEGURANÇA
Cidadãos, empresas, países. Segurança é pauta nas múltiplas esferas da vida dos mais diversos agentes sociais. No entanto, ameaças silenciosas ganham cada vez mais relevância e, com isso, novas formas de proteção que pouco têm a ver com grades ou policiamento. “A competitividade e a própria sobrevivência de empresas e nações dependem da segurança cibernética. Além de vazamento de dados e segredos corporativos, ataques digitais podem travar a operação de companhias ou países inteiros”, alerta o advogado Rony Vainzof, consultor da FecomercioSP. Ademais, ser vítima de um ataque pode trazer danos colaterais, como desvalorização das ações e perda de reputação. A cibersegurança é, portanto, mais que uma pauta técnica, é estratégia de sobrevivência.
A chamada higiene digital poderia evitar boa parte dos incidentes. São medidas simples e de baixo impacto financeiro — como manter os softwares atualizados e usar logins com dois ou mais fatores de autenticação —, mas que exigem mudança cultural. “Esse conjunto de práticas exige um novo comportamento, mas traz mais segurança tanto ao mundo dos negócios quanto à vida das pessoas comuns”, aconselha o advogado.
Quanto a empresas ou governos, é necessário também desenvolver capacidades de prevenção, monitoramento, análise e resposta a incidentes, com diretrizes claras para o enfrentamento de crises. “É preciso governança e simulação de ocorrências para saber reagir adequadamente. Como identificar as causas? Como reportar às autoridades e à sociedade?”, aponta Vainzof.
CIÊNCIA
Durante o século 20, desenvolvimentos científicos na saúde, na alimentação e no saneamento básico foram responsáveis pelo salto na expectativa de vida do brasileiro de 33 para 70 anos. Agora, a ciência se volta às pautas fundamentais da atualidade, como a emergência climática e a violência. Afinal, a função do método é servir à sociedade. “São questões importantes, com muito desenvolvimento científico disponível. No entanto, alguns não querem ouvir o que a ciência diz”, afirma Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Emerge, assim, a importância de um diálogo entre quem produz conhecimento e quem gera riqueza econômica. Nesse sentido, o Brasil precisa enfrentar adversidades específicas, como lidar com um Agronegócio marcado pelo negacionismo em relação à crise climática. Negar o que já é fato no meio científico, contudo, é um contrassenso, segundo o presidente da SBPC. “Nossa produção agrícola cresceu graças à ciência — por exemplo, as pesquisas de Johanna Dobereiner sobre a fixação do nitrogênio no solo”, exemplifica Ribeiro. Entretanto, mesmo a ciência é aberta a surpresas: serendipity é a possibilidade de encontrar, ao acaso, algo relevante enquanto se pesquisa outro tema. O ano de 2025 pode trazer o inesperado.